Friday, January 26, 2007

Palavra de Especialista

A EMBRIOLOGIA REFUTANDO CONCEITOS CRIACIONISTAS

Pedro Teixeira-Filho1 & Mônica Augusto Teixeira2

1 – Biólogo, Mestre em Biologia pela UERJ

2 – Bióloga, Bacharel em Biologia pela UFRJ

O debate entre criacionistas e evolucionistas vem ganhando vulto nos últimos anos, principalmente depois da publicação do livro “A Caixa Preta de Darwin”, do bioquímico Michael Behe, onde o autor criou a idéia da “complexidade irredutível”, associando-a ao “design inteligente” (DI) proposto inicialmente por William Paley em 1802. Embora suas idéias já tenham sido refutadas por vários cientistas, os criacionistas se apegaram a elas como náufragos se agarram a algo que os sustente. É compreensível tal atitude, uma vez que as idéias partiram de um homem da Ciência, não da Religião; porém, não se pode fechar os olhos para toda uma série de evidências que mostram que Behe está errado e que algo meio obscuro pode estar por trás de suas idéias.

Boa parte dos debates entre os defensores do criacionismo e os evolucionistas se refere à questão dos fósseis. Porém, neste texto iremos discutir um pouco sobre outro ponto, meio “esquecido” pelos debatedores: as evidências embriológicas da Evolução.

Os embriões dos animais desenvolvem-se de acordo com as características do grupo ao qual pertencem. Porém, há uma série de semelhanças entre embriões de espécies de grupos distintos, como as que encontramos entre os embriões dos diferentes membros do Filo Chordata, que se divide em 3 Subfilos, Urochordata (ascídeas), Cephalochordata (anfioxos) e Vertebrata (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos). As quatro apomorfias (características exclusivas) desse Filo são bastante conhecidas, mesmo por estudantes de Ensino Médio:

1) Notocorda (ou corda dorsal)

2) Fendas faringeanas (ou branquiais)

3) Cauda pós-anal

4) Tubo nervoso oco e dorsal

Entretanto, tais características não existem em todos os cordados adultos. Na verdade, com exceção do tubo nervoso, as demais podem surgir e desaparecer completamente ainda durante o desenvolvimento embrionário, como ocorre com os embriões dos seres humanos. E aí reside a questão: se não temos parentesco com os demais vertebrados e se todos foram criados ao mesmo tempo, como acreditam os criacionistas, por que então possuímos tais estruturas nos nossos embriões, se as mesmas não são funcionais?

É claro que não poderemos comparar embriões a um dado tempo de gestação se as espécies comparadas possuírem tempo de desenvolvimento diferente. Por exemplo, um embrião de uma espécie que possui tempo de gestação de 3 meses não deve ter a mesma velocidade de desenvolvimento que um embrião de outra espécie que tenha gestação de 10 meses. Se fizermos comparações desses dois embriões em uma mesma semana de desenvolvimento, provavelmente encontraremos muitas diferenças. Mas comparações de embriões em um mesmo estágio de desenvolvimento são plenamente possíveis e elas nos mostram que as semelhanças embrionárias existem. Negar a sua existência é negar o que os olhos nos mostram.

Se seguíssemos a idéia de Behe e Paley do “design inteligente”, bateríamos de frente com a questão da ausência de função em seres humanos e em outros vertebrados de algumas estruturas embrionárias, particularmente a cauda e as fendas branquiais. Se o DI fosse válido, como explicar o seu desaparecimento ainda na fase embrionária? “Provavelmente porque sua função embrionária ainda não foi descoberta”, poderão dizer os defensores do DI. O problema é que, com exceção de um único par que irá originar as tubas auditivas, as fendas branquiais não têm função nos mamíferos, nem mesmo para os aquáticos, como baleias e golfinhos. Elas se formam e se fecham. Na embriologia dos vertebrados, o estágio onde elas estão presentes é chamado de faríngula e corresponde ao período de desenvolvimento onde seus embriões possuem as maiores similaridades. Anomalias embrionárias podem levar ao não-fechamento de uma das fendas e à formação de fístulas, seios (fístulas incompletas, com abertura só interna ou só externa) ou cistos. E antes que algum criacionista cite o trabalho de Lehman sobre o desenvolvimento dos cordados*, vale ressaltar que os mamíferos realmente nunca desenvolvem brânquias, mas as fendas branquiais estão presentes mesmo assim, o que reforça ainda mais a inutilidade da sua formação. Afinal, fendas branquiais não são sinônimos de brânquias ou arcos branquiais.

E que função poderia ter uma cauda para um embrião humano dentro do útero materno? Absolutamente nenhuma, pois ele mal se movimenta quando ela está presente. Mesmo assim ela se forma, pois um embrião humano entre a 4ª e 5ª semanas de gestação tem de dez a 12 vértebras caudais, com todas as estruturas internas necessárias ao seu potencial funcionamento, como vasos sangüíneos, nervos e a própria notocorda. Na 8ª semana, contudo, já desapareceram as últimas seis vértebras caudais, ocorrendo morte celular por apoptose e ação de macrófagos, que englobam e digerem as células da cauda como fazem com microorganismos, e a 5ª vértebra ainda está se reduzindo. O que resta da nossa cauda embrionária é o osso do cóccix, resultante da fusão das quatro vértebras caudais que não desaparecem por completo. Já foi identificado um gene envolvido na formação embrionária da cauda em humanos e outros mamíferos, o gene Wnt-3a. A queda ou bloqueio da atividade desse gene induz a destruição da cauda. Quando essa queda não acontece (por uma mutação ou fator ambiental), a cauda persiste, como já relatado em alguns registros médicos de pessoas com uma pequena cauda, cujas radiografias mostram a presença de vértebras em sua estrutura.

Encontramos outros exemplos de estruturas embrionárias, diferentes das que já citamos, que também aparecem e depois são destruídas durante o desenvolvimento embrionário de outros vertebrados, como os botões de membros anteriores e posteriores em serpentes e membros posteriores em golfinhos e baleias. Sobre estas, inclusive, existem alguns registros de exemplares de diferentes espécies que apresentavam membros posteriores rudimentares, com estrutura óssea idêntica a de qualquer membro de vertebrado, com fêmur, tíbia, fíbula e metatarsianos.

Nos resta perguntar: todo esse processo de formação e desaparecimento das estruturas que citamos é algo realmente “inteligente” por parte de um “desenhista”? Gastar energia tão preciosa na formação de uma estrutura embrionária inútil que irá desaparecer é algo lógico?

A existência de um ente que tenha criado toda a vida encontrada no nosso planeta - um Desenhista Inteligente - pressupõe que não existam erros em nenhum dos passos que ocorrem na formação dos seres vivos, desde o momento da fecundação até o momento em que o embrião completa seu desenvolvimento, tornando-se um ser viável. As pessoas inclinadas a aceitar a hipótese do DI, costumam admirar-se da complexidade existente no funcionamento dos seres vivos e por observarem o ser vivo em toda a sua funcionalidade ajustada ao ambiente, pensam que mutações surgidas ao acaso teriam pequena probabilidade de alterar o conjunto das funções sem prejudicar o organismo onde ocorreram. Julgam mais improvável ainda que mutações não dirigidas possam modificar estruturas, tornando-as mais eficientes do que eram anteriormente. A análise dos fatos, porém, demonstra que na Natureza encontramos muitos casos de estruturas que com o tempo foram se modificando e ficando mais eficientes funcionalmente. Se aceitássemos a idéia de Behe, esperaríamos então que não fossem notadas estruturas desnecessárias na formação dos embriões, mas não é isso o que se vê!

Como explicar, então, a existência de tais estruturas nos nossos embriões e nos de outros vertebrados? A explicação mais lógica é a herança ancestral de genes que determinam a sua formação durante o período embrionário e que depois têm sua função substituída por outros genes que surgiram mais tarde, e que determinam o desaparecimento dessas estruturas. Em outras palavras, ocorreu uma modificação genética que provocou a mudança fenotípica, ou seja, houve evolução.

Muitos criacionistas interpretam o texto bíblico de acordo com as suas necessidades. Cada ramo da religião cristã tem as suas, e suas normas são ditadas por essa interpretação. Sua agonia acontecia quando para algumas questões feitas pelos evolucionistas eles não encontraram uma resposta bem fundamentada, e aí surgiu Behe com seu “design inteligente” com ares de Ciência, uma solução muito prática para atender às necessidades criacionistas. Prático, mas longe de ser verossímil. Sobre esse ponto, vale à pena reproduzir um trecho do texto de Julio Cesar Pieczarka, pesquisador da UFPA, para o Jornal da Ciência, da SBPC, onde o autor fala da derrota dos criacionistas nos tribunais dos Estados Unidos quando eles tentaram impedir o ensino da Evolução nas escolas:

“Diante desta nova derrota, ficou claro que os criacionistas precisavam de uma nova estratégia. Assim, o que eles precisavam era de um grupo, aparentemente independente deles, que:

a) se declarasse não criacionista (para fugir à acusação de ser um grupo religioso)

b) lutasse por legitimidade científica (para poder ser ensinado em sala de aula), legitimidade esta a ser alcançada por bem ou por mal, tentando arrombar a porta se a mesma lhes fosse fechada, acusando os cientistas de autoritários (como se legitimidade científica fosse brinde que vem em caixa de cereal)

c) tivesse por mote combater a Teoria da Evolução, unindo forças com os criacionistas assumidos toda vez que isso fosse vantajoso. Então, no fim dos anos 80 surgiu o movimento DI. Se alguém ler as mensagens postadas no JC e-mail (e nos sites do DI) dos defensores do DI, verá que o comportamento descrito acima é exatamente aquele que eles apresentam.

Estas são evidências circunstanciais. A evidência definitiva vem do documento chamado ‘The Wedge Strategy’, que estabelece as bases do movimento DI.

Este documento era interno do instituto criacionista Discovery Institute's Center for Science and Culture (CSC), mas vazou e foi publicado na internet em 2000 (Pennock, 2003**). Uma cópia pode ser encontrada na página http://www.public.asu.edu/~jmlynch/idt/wedge.html

Ele estabelece que a proposta de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus é uma das pedras fundamentais da civilização ocidental e que esta proposta está sendo ameaçada por intelectuais materialistas, como Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx.

Assim, o CSC iria reagir, através da construção de uma alternativa às teorias materialistas. Esta construção se chamaria Design Inteligente. O documento estabelece ainda um plano estratégico a ser desenvolvido em cinco anos, compreendendo três fases:

1) Pesquisa, Redação e Publicação;

2) Publicidade e Formação de Opinião;

3) Confrontação Cultural e Renovação.

Como a primeira fase foi um fracasso retumbante (mesmo com generosas verbas para pesquisa), eles passaram direto para a segunda e terceira fases. Pelo menos em um ponto eles acertaram em cheio: ‘Sem argumentação e pesquisa sólidas, o projeto será apenas mais uma tentativa de doutrinar, ao invés de persuadir’.”

Ou seja, a idéia de Behe era peça chave para tentar barrar o ensino de Evolução! Uma peça fundamental em um esquema engendrado não com propósitos científicos, mas com ideais religiosos. Como os cientistas também são seres humanos, muitos deixaram de lado seus conhecimentos científicos e se deixaram seduzir pelas verbas oferecidas pelo CSC. A elaboração da tal “wedge strategy” (“estratégia cunha”) mostrou-se um plano de longo prazo, mas que necessitava da inserção no meio científico de profissionais de diversas áreas que conseguissem publicar em diversas revistas científicas artigos que fundamentassem a ideologia criacionista, a qual eles chamaram de “Fase I”. Felizmente, esta etapa do projeto não deu muito certo, o que prejudicou as etapas posteriores. Mas, mesmo assim, vemos todos os anos mais e mais estudantes universitários que são adeptos do criacionismo procurando cursos de Biologia e outras áreas da Ciência.

É lógico que nem todos os Biólogos criacionistas (a despeito da incoerência que isso represente) devem compactuar com essa idéia, mas é bem possível que boa parte deles tenha escolhido a Biologia como profissão por influência de algum líder religioso. Ou seja, a “Fase II” pode estar ainda em curso, não só nos EUA, mas também no Brasil, tentando formar futuros biólogos criacionistas, que irão ensinar essa idéia nas escolas. Não é por acaso que um programa de treinamento de Professores é parte das estratégias da “Fase II”! É o que, em conversas com outros Biólogos pelo Orkut, designamos de “Cavalo de Tróia”. O curioso foi ter cunhado o termo antes de conhecer a “wedge strategy”. A ocorrência da “Fase II” já nos saltava aos olhos antes mesmo de sabermos que ela era mesmo um plano bem elaborado.

Muitos Professores não acreditam em uma “estratégia criacionista” e simplesmente ignoram o problema. Esse pode ser um grande equívoco. Enquanto aqueles que acreditam na Ciência fecham os olhos, os criacionistas os mantêm bem abertos e prosseguem com seus planos de desmonte do pensamento científico.

* Lehman, H. E. 1987. Chordate Development, 3d ed. Winston-Salem, NC: Hunter Textbooks

** Pennock, R.T. 2003. Creationism and Intelligent Design. Annual Review of Genomics and Human Genetics 4: 143-163.

Researcher discovers hybrid speciation in the Sierra Nevada

University of Nevada, Reno researcher Matthew Forister is among a group of scientists that have documented an unusual type of speciation in the Sierra Nevada, including a hybrid species of butterfly that can trace its lineage as far back as almost a half a million years ago. In a recently published article in the leading research journal Science, the discovery is one of the most convincing cases of this type of species formation that has ever been demonstrated in animals.

“Our genetic work is what really clinched the hybrid angle,” said Forister, a research professor in the College of Agriculture, Biotechnology and Natural Resources’ Department of Natural Resources and Environmental Science. Forister explained that it has been known that two types of butterflies -- Lycaeides melissa and Lycaeides idas -- live in the Sierra, with the L. melissa living on the eastern slope of the Sierra and the L. idas living to the west. Forister’s team found that a third species of Lycaeides has evolved in the upper alpine reaches of the Sierra.

The team used molecular genetics to show that the “new” species carries genes from both parental species. The scientists estimate that about 440,000 years ago the L. melissa and L. idas came into contact in the Sierra. Their offspring, cut off from the rest of their clan, eventually evolved into a unique and genetically distinct species.

“It’s interesting, because the alpine butterflies have wings that look like the butterflies from the eastern Sierra,” Forister said. “But their mitochondrial DNA more clearly resembles those from the western Sierra. When you think about all of the changes the world has undergone, and how parental species have moved in response to climate change and have possibly come into contact many times, you realize that the world is a messier place than you first thought.

“Ultimately, what we’ve studied highlights the importance of natural selection, and the more general idea that we are still learning many of the ways in which species are formed.”

Forister’s collaborators included UC-Davis professor Arthur Shapiro, Zachariah Gompert and Chris Nice of Texas State University and James Fordyce at the University of Tennessee. Shapiro is one of the world’s foremost butterfly experts. Forister did his graduate work at UC-Davis under Shapiro. His graduate work was funded by the National Science Foundation.

The team’s findings provide an important piece to the puzzle in the understanding of how animal species emerge. It is widely believed that plant species can be commonly created through such species crossing; hybrid species formation among animals, however, has been much less thoroughly studied.

Forister and his colleagues worked on some of the more barren reaches of the upper alpine in the vicinity of Lake Tahoe, plucking samples of blue (male) and brown (female) butterflies from the rocks and sparse alpine vegetation there. The samples were studied by the research members who worked to analyze the species’ DNA in a laboratory in Texas.

“We worked within a very narrow window because these butterflies are at their peak flight for only a few weeks in the middle of the summer,” Forister said.

The field work proved to be just as important as the laboratory work, as the team made important findings regarding the new species’ adaptive habits. Though the climate is extreme at high elevations and the flying season lasts only a matter of a few weeks, the researchers noted that the still-unnamed species seeks out a certain plant at the higher elevations. They use this host plant to lay their eggs. Their “parent’ butterflies of the eastern and western Sierra do not show the same affinity for this particular host plant, the balloonpod milkvetch. This was another critical illustration that a habitat and species shift had occurred.

By understanding how the “new” species lives, the research team is also adding to the scientific-based knowledge that could some day help preserve the butterfly’s habitat, Forister added. “Now that we’ve finished this part of the study, we’d like to turn our attention to some of the other ranges of the West, and investigate similar areas of overlap,” Forister said.

Sunday, January 14, 2007

Crânio reforça teoria da origem africana da humanidade


WASHINGTON - Estudo de um grupo internacional de cientistas, publicado na revista Science, fixou a data de um crânio humano encontrado há mais de 50 anos, na África do Sul, em 36.000 anos. Esse crânio oferece uma importante confirmação de evidências genéticas que indicam que a humanidade, em sua forma moderna, surgiu na África e migrou, por volta dessa época, para o restante do Velho Mundo.

"O crânio de Hofmeyr (cidade onde a peça foi encontrada) dá os primeiros vislumbres da morfologia dessa população da áfrica subsaariana, o que significa o mais recente ancestral comum de todos nós", afirma o pesquisador Frederick Grine, líder da equipe responsável pelo trabalho.

Embora tenha sido descoberto em meados do século passado, o crânio só teve sua importância reconhecida recentemente. A datação foi realizada por um novo método, que avaliou a radiação absorvida pelos grãos de areia alojados na cavidade que havia abrigado o cérebro.

Aos 36.000 anos, esse crânio preenche uma lacuna importante no registro fóssil humano para a região, entre 70.000 anos e 15.000 anos atrás. Durante esse período, ferramentas e obras de arte sofisticadas, de osso e pedra, aparecem na África subsaariana, e seres humanos anatomicamente modernos fazem sua aparição na Europa e na Ásia.

Tirado daqui

Monday, January 08, 2007

Palavra de Especialista

DIFICULDADES CONCEITUAIS DO CRIACIONISMO

David G. Borges

biólogo, graduando em filosofia

Venho acompanhando há algum tempo a polêmica em torno da questão criacionista e do ensino de evolução nas escolas. Não foi uma escolha consciente – fui “jogado” no meio desta polêmica por razões alheias à minha vontade. Por algum motivo, quando as pessoas conhecem um biólogo ateu e acadêmico de filosofia, parecem ter um desejo incontrolável de debater o assunto Criação vs. Evolução. No entanto, não só vejo esse acidente de percurso como algo produtivo, por ter me proporcionado um aprendizado enorme sobre os mais diferentes assuntos, mas como algo essencial ao meu crescimento intelectual.

Hoje pretendo discutir algumas dificuldades conceituais do criacionismo. Durante minha vivência em meio à esse tema, percebi que geralmente os adeptos da “teoria criacionista” e suas vertentes são muito céticos em relação à evolução, mas fazem muito pouco para embasar os seus pontos de vista. Escrevo este texto não como um ataque ao criacionismo, mas como uma análise do mesmo, um “pedido de esclarecimento” com relação a alguns pontos nebulosos existentes.

Uma das críticas mais comuns à evolução e um dos argumentos mais usado pelos criacionistas é a “complexidade irredutível”. A complexidade irredutível foi popularizada pelo bioquímico Michael Behe na década passada, com a publicação de um livro intitulado “A Caixa Preta de Darwin” (ou “Darwin’s Black Box”, no título original). Na verdade, a complexidade irredutível não passa de uma variante do “argumento do relógio”, popularizado pelo teólogo William Paley em 1802, mas com raízes nas obras de Cícero, séc. I AEC (Antes da Era Comum, ou “Antes de Cristo”, para quem preferir). Essencialmente, Behe argumenta que alguns sistemas biológicos e bioquímicos como o olho humano ou a coagulação sanguínea são complexos demais para terem surgido “por acaso” através da evolução, e que devem ter sido “projetados” por um “desenhista inteligente”. Behe utiliza uma ratoeira como exemplo de sistema “ireedutivelmente complexo”; no séc. XIX Paley utilizava um relógio – nenhum dos componentes de um relógio executa alguma função quando isolado dos demais, o que implica necessariamente que foi projetado e contruído por um relojoeiro.

O “desenhista inteligente” de Behe é uma forma politicamente correta de se referir à divindade judaico-cristã. Até hoje, em todas as ocasiões em que perguntei a um adepto do “desenho inteligente” sobre a identidade do “desenhista” (ou “projetista”, outro termo utilizado com o mesmo fim) nenhum deles admitiu a hipótese de que o mesmo possa ser Alá, Tupã, Odin, um ser extraterrestre ou qualquer outra coisa diferente da divindade bíblica.

Com relação à “complexidade irredutível” em si, algumas considerações devem ser feitas. O próprio conceito parte de uma má-compreensão da teoria da evolução, uma vez que estruturas e sistemas não surgem “por acaso”. Ao contrário da idéia difundida popularmente, a evolução não ocorre por acaso. As mutações surgem aleatoriamente; sim, isto é correto. No entanto, dizer que a evolução se processa de forma completamente aleatória é ignorar o papel do ambiente e da seleção natural na “filtragem” das características que surgem por meio das mutações. Não interessa quantas vezes uma característica surja, ela só se manterá na população se for vantajosa para o indivíduo que a possui, ou neutra. Características deletérias são eliminadas. Não há nada de aleatório nisso. O “acaso” só entra na seleção natural quando tratamos de deriva genética – ainda assim seus efeitos são muito limitados. Temos que tomar cuidado adicional com a idéia que permeia o inconsciente popular de que genes determinam a posição de cada minúsculo componente na estrutura de um ser vivo. Genes afetam a bioquímica do ser, todas as demais alterações são consequência indireta. Parafraseando o matemático Richard Harter: “genes não são esquemas, ‘plantas’* para a célula e os processos da vida; eles são esquemas para as ‘ferramentas’ que os processos vitais utilizam. Não existe um esquema primordial para a célula no sentido em que pensamos em ‘esquemas’. A célula é um esquema de si própria, um caso em que o ‘território’ é o próprio ‘mapa’, por assim dizer”.

Outra consideração a respeito da “complexidade irredutível” de Behe é que esta hipótese ignora por completo os efeitos de mecanismos de retroalimentação, ou feedback. Utilizando um exemplo absurdamente simplificado, uma substância de estrutura simples “A” dá origem à formação de uma substância mais complexa “B”, sendo que esta substância “B” é responsável pela formação de outra substância complexa “C”, que também catalisa a formação de “B”. Se por algum motivo qualquer a substância “A” desaparecer no meio do processo, o sistema resultante não será afetado. “B” catalisa “C” e vice-versa em um sistema de retroalimentação, dando a impressão de um sistema “irredutivelmente complexo” porque tanto “B” quanto “C” são “complexas demais” e “não têm origem aparente”.

Por último, a própria idéia de um “sistema” “irredutivelmente complexo” é tautológica e sofismática. Qualquer sistema é irredutível quando você analisa um grau de “organização” maior do que o menor componente do conjunto. Nossos corpos são formados por substâncias diversas, que formam células, que formam tecidos, que formam órgãos, que formam sistemas. Qualquer órgão, tecido ou sistema (biológico ou não) quando analisado será “irredutivelmente complexo” pois estes termos são definições. Para a própria existência de um “sistema”, mais de um componente é necessário e os componentes devem estar conectados. Essa é exatamente a mesma definição de “complexidade irredutível”, mas em nada implica um “planejador” – a única coisa em que implica é que algum observador externo “agrupou” diversos elementos em uma única definição. Ou seja, “sistemas” nada mais são do que construções mentais. Eles não existem a priori na natureza.

Diante de tantas incongruências e falhas conceituais, como é viável que o “desenho inteligente” seja considerado uma hipótese científica válida?

Pulando da questão da “complexidade irredutível” para o registro fóssil, vemos que a argumentação dos defensores do criacionismo esbarra no mesmo ponto essencial: a cognoscibilidade do objeto. É comum em debates ouvir a argumentação de que o registro fóssil é “falho” e que isso invalida a teoria da evolução. Uma vez que a teoria da evolução não se baseia apenas no registro fóssil, mas em muitas outras evidências, a conclusão acima é falsa e não merece extensas considerações. Mas a questão do registro fóssil precisa ser analisada de forma mais cuidadosa, por ser outro argumento tautológico e com fundamentação equivocada. Demonstro a seguir:

A1 => a2 => a3 => a4 => A5 => a6 => a7 => a8 => A9

As letras acima representam uma linhagem monofilética qualquer. A9 seria o representante atual da linhagem, enquanto todos os demais são ancestrais extintos desse animal. Os fósseis conhecidos estão destacados (A1 e A5), os demais são “elos perdidos”.

É comum em debates os defensores do criacionismo pedirem fósseis transicionais entre uma espécie e outra. Suponhamos que no exemplo acima me peçam o transicional entre A1 e A9. Mostrarei A5. Em seguida pedem o transicional entre A1 e A5 e entre A5 e A9...

Agora suponhamos que eu encontre o fóssil “a4” e mostre à pessoa como um transicional entre A1 e A5. Ela então me pede o transicional entre a4 e A5 – a4,1; a4,2; a4,3; a4,4 e assim por diante.

A evolução não acontece em saltos, ela é gradual. Costumam fazer analogias com os trilhos do trem, mas pessoalmente acho esse exemplo muito fraco; prefiro dizer que é como um arco-íris. Você consegue distinguir claramente a cor que está embaixo da cor que está em cima, mas não consegue distinguir com precisão onde acaba uma cor e começa outra. A transição de um tom para o outro é GRADUAL, assim como a transição de uma espécie para outra. As mudanças que ocorrem de um indivíduo para o outro (entre você – leitor – e seu pai, por exemplo) são INFINITESIMAIS. A mudança entre gerações afastadas (entre você e um ancestral seu de 1700) já são bem maiores. A mudança não só é gradual como é cumulativa, e é exatamente nesse ponto que a noção “popular” de evolução é falha.

Exatamente como no caso dos “sistemas irredutivelmente complexos”, a classificação dos fósseis e dos seres vivos é meramente uma contrução mental. A natureza não vem em “caixas” que dizem “Espécie X, Família Y, Reino Z”, isso é apenas LINGUAGEM. Não passa de uma forma que a mente humana encontrou para organizar o conhecimento e facilitar a comunicação; essas categorias não existem em si mesmas no mundo natural. Nós criamos estas categorias, não um “projetista” externo. Filogeneticamente, os crocodilos são mais próximos das galinhas do que das tartarugas; isso não impede que classifiquemos crocodilos e tartarugas como “répteis” enquanto classificamos as galinhas como “aves”, segundo determinados critérios. O motivo pelo qual isso é feito não é questão deste ensaio, mas se possível irei explorá-lo em uma próxima ocasião.

Sempre existirão “lacunas” no registro fóssil. Fósseis são de difícil formação e nem todos os organismos fossilizam. Pela própria natureza das mudanças evolutivas e pelo comportamento bioquímico dos sistemas vivos, não é probabilisticamente possível que existam fósseis de cada adaptação que a o mundo natural já produziu. E mesmo que existissem, é bem provável que nossa forma de compreensão, que consiste em "categorizar" tudo, não conseguisse abarcá-las. Continuaríamos criando categorias "artificiais" e escolhendo o que ficaria em cada uma delas. Qualquer categorização, de qualquer natureza (não só na biologia) representa um "salto". Assim, como é possível afirmar que o registro fóssil é “falho” como um todo, uma vez que essa generalização necessariamente incorre em um erro conceitual?

Outra questão em que os criacionistas insistem bastante é a chamada “macroevolução”. Já ouvi inúmeras vezes a frase: “a microevolução é aceitável, a macroevolução não”. “Microevolução” é o nome dado a eles para variações pequenas de um indivíduo para outro dentro da mesma espécie, “macroevolução” seria o acúmulo de variações que culmina no surgimento de novas espécies, gêneros, famílias e assim por diante.

“Micro” e “macro” evolução são a mesma coisa. O processo pelo qual as variações surgem e se mantém (ou são eliminadas) é o mesmo, bem como o processo pelo qual elas se “acumulam”. Não há nenhum sentido em utilizar dois termos para descrever o mesmo processo ocorrendo em graus diferentes. Ao se “aceitar” a “microevolução”, automaticamente se concede uma aprovação à “macroevolução”, uma vez que ambos consistem na mesma coisa. Novamente, essa distinção parte de uma má-compreensão do real significado da classificação taxonômica: como no caso dos fósseis (citado anteriormente), a pessoa encara o termo “espécie” como uma categoria que existe a priori na natureza, por si mesma, e não como uma forma humana de descrever algo, um artifício linguístico.

Se “microevolução” e “macroevolução” são termos diferentes para descrever o mesmo processo, como é possível que um não valide o outro?

Passando para o método científico, é comum ouvirmos que “criacionismo não é ciência”. É igualmente comum ouvirmos criacionistas acusando a comunidade científica de dogmatismo e conspiracionismo por conta disso, o que faz com que sejam necessárias explicações acerca desse ponto. De maneira extremamente simplificada, a metodologia científica pode ser resumida da seguinte forma:

- Formulação da hipótese;

- Execução de experimentos ou coleta de dados a fim de testar a hipótese;

- Revisão da hipótese a fim de entrar em concordância com os dados;

- Teste da nova hipótese (revisada);

- Conclusões.

No esquema acima me refiro ao método dedutivo. Não há razões para alongar este ensaio analisando outros métodos científicos, uma vez que o tema principal não é esse. Adicionalmente, o uso do método indutivo tem caído em desuso, enquanto o método hipotético-dedutivo apresenta poucas diferenças em relação ao dedutivo, estando as mesmas ligadas mais à falseabilidade das conclusões.

O criacionismo não pode ser considerado algo científico porque não obedece à metodologia científica. No esquema acima, apenas o primeiro passo (“formulação da hipótese”) seria ultrapassado. Não há experimentos ou dados que corroborem o criacionismo (pelo contrário, a maioria o refuta) e os adeptos dessa corrente se negam veementemente a revisar suas hipóteses de forma que elas entrem em concordância com os dados. É por isso que o criacionismo não pode ser considerado “ciência”, e não devido a alguma conspiração ou dogmatismo por parte do meio científico.

Uma vez que não obedece às delimitações do método científico, como pode o criacionismo aspirar ao título de “ciência”?

Por último, gostaria de discutir superficialmente a relação entre criacionismo e religião, bem como entre ciência e laicismo. É frequente os defensores radicais do criacionismo acusarem cientistas de “ateus”, “descrentes” ou coisas do gênero. Nenhuma teoria científica traz qualquer tipo de afirmação metafísica consigo: a gravitação não tem nenhuma implicação metafísica, o eletromagnetismo também não, a evolução muito menos. Teorias científicas são descrições baseadas em fatos e evidências; uma vez que lidam com o palpável, o mundo físico, são impossibilitadas de fazer qualquer afirmação a respeito do não-físico, se este existir. O criacionismo tem implicações metafísicas pois sua origem está intimamente ligada à reforma protestante e ao neo-pentecostalismo; porém, como mostrado anteriormente neste ensaio, o criacionismo não é uma ciência.

O que faz com que radicais religiosos acreditem que fatos científicos anulam a crença em uma divindade é muito simples: muito do que é dito na bíblia e em outros textos sagrados não tem o menor cabimento frente ao conhecimento moderno. “Parar o sol” é fisicamente impossível, curar doentes com cuspe ou com comandos verbais é biologicamente e quimicamente impossível, o surgimento de plantas antes de estrelas ou de homens a partir do barro é biologicamente, geologicamente, fisicamente e quimicamente impossível.

Frente a isso, chega-se à uma conclusão óbvia: ou o conhecimento atual está errado, ou o "texto sagrado" está. Se for o texto, outra conclusão logo vêm à tona – se UM trecho estiver errado, nada impede que o restante também esteja.

A maioria das religiões contorna isso tornando seus textos "passíveis de interpretação". Não se trata de um relato literal dos fatos, e sim de linguagem simbólica – o verdadeiro sentido não está nas palavras e sim nas entrelinhas. Em outras palavras, a obra não deve ser lida “ao pé da letra”. Existe até mesmo uma bula papal, do papado de João Paulo II, que afirma que o livro do gênesis não deve ser interpretado literalmente. Infelizmente, o Papa Bento XVI retrocedeu na história ao fazer afirmações de cunho contrário em seus discursos e pregações.

A reforma protestante deu um tiro no próprio pé justamente nesse ponto: para os protestantes e neo-pentecostais a bíblia não é passível de interpretação, seu conteúdo é LITERAL. É aí que reside o impasse. No entendimento dos protestantes e demais derivados do protestantismo, se as escrituras forem passíveis de “interpretação”, não há justificativa para o moralismo tão rígido em que eles se baseiam para “atingir a salvação”. Isso guarda uma certa semelhança com o embate entre juspositivismo e jusnaturalismo no direito; porém, prefiro deixar que esse tema seja aprofundado por bacharéis, mestres e doutores em filosofia do direito.

A proporção de ateus na população brasileira é inferior a 10%. No meio científico não é diferente: a esmagadora maioria dos cientistas são teístas e cristãos. Não há qualquer fundamento em afirmar que cientistas são “descrentes”, além de ser ofensivo e preconceituoso utilizar os termos “ateu” e “descrente” de forma pejorativa. Ateus não são seres amorais com rabo e chifres que comem criancinhas.

Hipóteses e teorias científicas devem ser neutras, ou seja, não podem priorizar uma determinada visão cultural em detrimento de outra. Uma teoria científica deve servir igualmente a cristãos, ateus, budistas, muçulmanos, agnósticos e quaisquer outros. Rejeitar uma gama de conhecimentos apenas porque eles não se encaixam em uma interpretação extremamente restrita de um texto escrito enquanto a civilização ainda engatinhava é uma forma exagerada de limitação do raciocínio. Na história da humanidade, o conhecimento sempre avançou mais rápido do que os costumes; o que chama a atenção no caso da polêmica em torno da evolução é que os “costumes” já acumularam um atraso de quase dois séculos.

Como pode o criacionismo ter qualquer aspiração científica se está necessariamente ligado à uma visão mitológica do mundo natural? Se suas bases se encontram na “revelação” metafísica, e não em fatos? A ciência lida apenas com o mundo físico, não com o que está além dele.

Saindo do campo da ciência e manifestando uma mera opinião pessoal, em algum ponto vai ser necessário que a sociedade mude por completo o conceito de "deus". É contraditório imaginar uma divindade não-física que interfere no mundo físico, mesmo que de maneira indireta. Um ente não-físico por si só já é uma idéia contraditória, visto que nós só conseguimos apreender aquilo que se encontra na esfera do sensível. A nossa experiência enquanto civilização demonstra que a manutenção desta visão só alimenta a intolerância; seja ela filosófica, moral, política ou intelectual. Se quisermos uma sociedade melhor teremos de corrigir isso.

* O termo usado originalmente é “blueprint”. Seu correlato mais próximo em português é “planta”, como as que são utilizadas em projetos de engenharia.