Monday, July 02, 2007

Palavra de Especialista

O DILÚVIO GLOBAL REFUTADO

David G. Borges

biólogo, graduando em filosofia

Muitos criacionistas defendem que há alguns milhares de anos tenha havido um dilúvio global, conforme narrado na bíblia. Segundo eles, um homem chamado Noé e sua família construíram uma arca (um barco) e nele colocaram casais de todas as espécies animais existentes, a fim de “repovoar” a Terra após a catástrofe. A família de Noé e os animais presentes na arca teriam sido os únicos sobreviventes.

Este pequeno ensaio se propõe a refutar o dilúvio (o que não é muito difícil). Nele vamos nos referir a um dilúvio de proporções globais, como defendido pela maior parte dos criacionistas “terra jovem” (aqueles que acreditam que o planeta possui apenas 6.000 anos de idade). Não nos interessam as histórias sobre dilúvios “locais” que tenham ocorrido nas imediações do mar mediterrâneo ou proximidades – embora estas histórias também careçam profundamente de provas.

Na verdade, esta refutação ao “dilúvio” não é de minha autoria. A maior parte dela foi elaborada por um amigo meu chamado Cristiano Besen, que é engenheiro civil. Ele me pediu que escrevesse utilizando o meu nome, pois acredita que um biólogo teria “mais respaldo” para falar sobre este assunto. Não concordo, mas ordens são ordens... Minha contribuição a este ensaio consiste basicamente na organização das idéias e a algumas poucas adições ao trabalho do Cristiano. Enfim, vamos falar sobre o dilúvio:

Condições necessárias para que o dilúvio bíblico tenha existido de fato

- "Deus" ou ente similar precisa existir (é necessário provar a existência desse ente);

- Essa entidade precisa ter VONTADE E RACIONALIDADE (a fim de querer gerar um dilúvio);

- Essa entidade precisa ter o poder de interferir na nossa realidade (a fim de poder gerar um dilúvio);

- O homem a quem chamam de "Noé" precisa ter existido;

- A entidade citada anteriormente precisa ter capacidade de se comunicar com o homem a quem chamamos de "Noé";

- Este "Noé" precisaria ter construído a tal "arca";

- Este "Noé" precisaria ter colocado TODOS OS ANIMAIS DO PLANETA na tal "arca".


Agora vamos hipotetizar que o dilúvio tenha de fato acontecido

Gênesis 7

19 E as águas prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes que havia debaixo de todo o céu, foram cobertos.

20 Quinze côvados acima prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos.


- O monte Everest, o mais alto do planeta, tem 8.848,13 metros e foi coberto por 15 côvados (6,9 m), o que resulta na soma de 8855,03 metros.


- As nuvens ficam no máximo a 6.000 metros de altitude e estas (as chamadas “nuvens altas”) são formadas de finas camadas de gelo, pois nessa altitude o ar é muito frio – não são “nuvens de chuva”. Nuvens “médias” geralmente têm base entre 2.000 a 6.000 metros; nuvens “baixas” têm base até 2.000 metros. Estes números possuem uma ligeira variação, mas nada muito expressivo (fonte: UFPR).


- Uma vez que a água deveria estar a quase 9.000 metros (para cobrir o Everest) e as nuvens vão no máximo até 6.000 metros... Estava chovendo debaixo d'água?


- A propósito, não existe água suficiente nos oceanos para cobrir o Everest. E a pressão de 9.000 metros de água (mais até do que a das fossas abissais) alteraria por completo a composição físico-química da superfície terrestre.


- E se a "arca" existiu de fato, como os animais lá dentro respiravam a 9.000 metros de altitude? O ar é tão rarefeito que APENAS UMA espécie animal agüenta: Anser indicus, um ganso andino que sobrevoa o Everest durante suas migrações.


Vamos agora levar em consideração que por algum motivo insondável, o tal dilúvio tenha ocorrido de fato

- De onde veio toda a água?

- Para onde ela foi?

- Como Noé juntou os animais?

- Como os animais atravessaram oceanos e desertos, longe de seus hábitats naturais?

- Como couberam tantos animais na arca?

- Como Noé os alimentou?

- Como uma arca de madeira desse tamanho não foi destruída pela “maré”?

- Como eles sobreviveram lá dentro, se tinha apenas uma janela de 45 cm que ficava fechada?

- Onde foram parar as fezes da bicharada? E como as péssimas condições de saneamento não matariam qualquer pessoa ou animal lá dentro?

- Como os animais, ao saírem da arca, reprimiram seus instintos naturais de devorarem uns aos outros e se extinguirem (leões e zebras lado a lado, por exemplo)?

- Como os peixes e sensíveis animais marinhos sobreviveram às profundas modificações do oceano?

- Como as plantas sobreviveram?

- Como evidências antediluvianas sobreviveram ao dilúvio, como pegadas de dinossauros e pinturas rupestres?

- Como, a partir de Noé e sua mulher, surgiram todas as cores e etnias de pessoas que existem na Terra? E como, a partir dos poucos animais sobreviventes, as espécies se diversificaram tanto em poucos milhares de anos, sem “efeito gargalo”?

- E o mais importante, que razão faria Deus passar por tanto trabalho para assassinar a humanidade, se um mero ataque cardíaco seria muito mais simples e eficaz?

Enfim, eis aí o que temos sobre o “dilúvio”. A resposta-padrão para todas as perguntas acima é: “Deus tudo pode”. Considero desnecessário comentar a esse respeito...

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15 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Fantástico!

Uma abordagem simples e que devasta completamente a idéia de um Dilúvio Global!

Parabéns ao David e ao Cristiano.

1:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

De todas os argumentos criacionistas, os que defendem o dilúvio são os mais absurdos. Fazem suposições absurdas e chegam a aceitar a evolução (apelidando ela de microevolução) para tentar manter a arca em pé. O motivo? Se qualquer parte da bíblia for considerada não verdadeira ou não literal pelos fundamentalistas, se abre uma brecha: Se uma parte não é verdadeira, resto também será?

2:50 PM  
Anonymous Anonymous said...

"Se qualquer parte da bíblia for considerada não verdadeira ou não literal pelos fundamentalistas, se abre uma brecha: Se uma parte não é verdadeira, resto também será?"

E como eles não estão abertos a análises de quais partes podem ou não ser verdadeiras, se fecham totalmente. Eita fundamentalismo.

Mas é como digo: fundamentalismo não se combate com fundamentalismo; radicalismo não se combate com radicalismo. Sobre esse assunto, leiam meu texto mais abaixo: "Em Defesa do Equilíbrio"

3:23 PM  
Blogger juliana kramer said...

Vamos supor a seguinte situação: Chego a um grupo de evolucionistas e pergunto: "se o homem veio do macaco, por que não temos hoje macacos se transformando em homens?".

Seria um questionamento válido, contudo, por demais simplista. Certamente eu seria visto como um idiota, que leu algum livrinho refutando a evolução. O tipo de pergunta que fiz não demonstra conhecimento do assunto, pelo contrário, arranca-me a máscara e expõe a presa indefesa que sou nessa questão.

Da mesma forma, é isso que vejo nesse "O DILÚVIO GLOBAL REFUTADO". Todas as considerações são questionamentos básicos tratados em qualquer livrinho escrito por um criacionista. Não há refutação dos argumentos criacionistas, mas apenas a mesmas perguntas já respondidas há algumas décadas. Mostra-se com a mesma simplicidade da ilustração acima que dei sobre a pergunta feita aos evolucionistas e não poderia deixar de dar a mesma impressão: "parece-me que ele não leu sobre o assunto, ou, se leu, não foi o bastante ou ainda não entendeu".

[]´s

7:30 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ao meu ver, o texto não é simplista. Ele coloca de forma simples e acessível, questionamentos sérios que invalidam um dilúvio global.

Simplismo são as explicações para esses questionamentos que sempre ficam no "Porque Deus quis"...

10:03 PM  
Anonymous Anonymous said...

E outra coisa... ninguém aqui está refutando todos os argumentos criacionistas, esse nem era o propósito do texto ao meu ver.

O texto trata de refutar somente a idéia de um Dilúvio Global tal qual descrito na Bíblia.

10:05 PM  
Blogger André said...

Até um macaco entende isso. ^_^

5:03 AM  
Anonymous Anonymous said...

Muito bom mesmo, David. O texto é simples, direto e didático, como tem que ser. E nada simplista, ao contrário do que disse o Agnon. Embora eu concorde com o Rodrigo no tocante à total falta de necessidade de refutar um mito, infelizmente há momentos em que isso se torna necessário. As vezes é preciso usar a ciência para mostrar aos cegos fundamentalistas adeptos da literalidade de textos religiosos que mitos são apenas isso: mitos. E quanto mais simples for a forma que o fizermos, melhor, pois atinge em cheio o nosso alvo: o público leigo.

10:04 AM  
Anonymous Anonymous said...

Já comentei sobre a cirção de tenébrios para alimentar os animais da arca? XDDDDD


Brincadeira! Ótimo texto, David!

9:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Átila:

Infelizmente, às vezes é necessário "refutar" alguns mitos. O criacionismo inteiro se baseia em mitos, então se quisermos abordar o assunto vamos inevitavelmente ter de entrar nesse mérito. Considero um "mal necessário".

Agnon:

Já li "livros" de criacionistas. Mais do que merecia, inclusive. Neles encontrei propostas absurdas, como afirmações de que a Terra é oca e que a água do "dilúvio" veio de dentro dela (o que ignora por completo toda a geologia atual, bem como a densidade do planeta e a gravitação) e propostas de que a água do "dilúvio" teria sido resultado do choque de um cometa (um cometa que tivesse a quantidade de água necessária para cobrir toda a superfície terrestre seria tão grande que o choque resultante tiraria o planeta de sua órbita, além de deixar uma marca colossal na superfície terrestre - e não existem indícios nem de uma coisa, nem de outra). É isso que deveríamos levar à sério?

De resto, não elogiem a mim, mas ao Cristiano. A maior parte do trabalho foi feita por ele.

Abraços.

10:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Esqueci de fazer minha pergunta clássica:

Como se explica a sobrevivência da biota do solo a um dilúvio global, se não houver evolução das espécies? :O

12:17 AM  
Anonymous Anonymous said...

Davi quantas vezes eu já disse que ADOROOOOOOOOO tudo o que você escreve?
Parabéns a você e ao seu amigo!
beijos
Margarita

4:18 PM  
Blogger Leonardo said...

Não sei, acho que poderia ser melhor.

A parte das nuvens e do ar ficou meio ridículo, pois é óbvio que as nuvens não se formariam embaixo dágua, mas em cima da superfície da água. Da mesma forma o ar se concentraria acima de tal superfície, então a pressão não seria tão rarefeita.

E discordo quanto à necessidade de se provar Deus ou qualquer coisa a respeito de Deus para se comprovar o dilúvio. Basta se analisar os fatos. SE houvesse comprovação dos fatos, aí poderia se questionar como Noé preveu o dilúvio, se por contato com a divindade ou por percepções da natureza ou qualquer outro meio. E poderia se questionar se tais fatos tiveram realmente algo a ver com interferência sobrenatural, etc.

Ou seja, a existência ou não de Deus não interfere na análise dos fatos aqui.

E, sendo engenheiro o autor original do texto, eu esperava ver algo falando sobre a arca em si e sua inviabilidade técnica.

4:03 AM  
Anonymous Anonymous said...

Também já ataquei o dilúvio, mas de outra forma. O texto do David G. Borges tem algumas falhas (entenda que eu sou ateu e também refuto estas histórias bíblicas inverossímeis).
Se o nível dos oceanos subiram acima do Everest, a atmosfera acompanhou esta elevação e continuaríamos tendo 1 ATM ao nível do mar (este mar elevado). As nuvens de chuva continuariam se formando acima deste novo nível do mar.
O ponto principal é:
- De onde veio toda a água?
- Para onde ela foi?

E acrescento:
Por que Noé descaregou todos os animais no cume do Ararat (onde supostamente encontraram restos da arca)? O Ararat é um vulcão muito alto (o maior de todas região) e não imagino aquele bando enorme de animais se espremendo neste pequeno cume, aguardando as águas baixarem e depois tendo que descer toda montanha (elefantes alpinistas?).
É muita história da carochiha. Só quem se recusa a pensar engole isso.

Abraço,
Zeca

10:17 AM  
Anonymous Anonymous said...

"Já li "livros" de criacionistas. Mais do que merecia, inclusive. Neles encontrei propostas absurdas, como afirmações de que a Terra é oca e que a água do "dilúvio" veio de dentro dela (o que ignora por completo toda a geologia atual, bem como a densidade do planeta e a gravitação)"

http://www.newscientist.com/article/mg15520974.900-deep-waters.html

O autor do Post está desinformado e ataca um espantalho do dilúvio.

Estude sobre o dilúvio para tentar refutá-lo.

6:42 PM  

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